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LIGIA BORBA
(1952 – Brusque, Santa Catarina, Brasil)
Artista plástica, escultora e ceramista, professora aposentada da EMBAP em Curitiba, Paraná.
Vive e trabalha no Paraná.
MELLO, Regina. Antologia de Ouro IV. Museu Nacional da Poesia / Organização Regina Mello. Belo Horizonte, Arquimedes Edições, 2016. 160 p. 15 x 21 cm. ISBN 978-85-89667-56-2
Ex. bibl. Antonio Miranda, enviado pela editora.
Na sombra
Em cada ruído, por exemplo,
quando se está, à noite,
em meio à mata, andando,
pela mata em meio à ela
e em toda a sua absoluta densidade,
em sombra estamos a andar
e a ouvir, olhar, investigar,
a mata nos responde.
Em toda a sua extensão de pura mata apenas,
aquela que se subdivide em plantas,
seus galhos, folhas, flores,
em pedras simplesmente,
ou em bichos que, às vezes água,
por ali circulam, aparecem, fogem,
espantam-nos com suas cores variadas,
assustam-nos com seus alardes, pios e urros,
em meio à noite tudo a nós nos fala.
E mesmo de manhã,
na manhãzinha fria e linda,
vêm os pássaros,
piam e trinam mais intensamente,
ousam aproximações irreverentes,
traçam arquiteturas no espaço.
E ao fundo, as montanhas,
como deuses de outras eras,
olham eternamente o céu de onde estão.
Nas montanhas
Estava ao céu o urubu cortando o vento em dobras,
passando onde ele quer,
e nós ali em sua casa, estranhos.
E nós, estranhos,
com nossos duvidosos mundos,
lamuriosos dias,
destinos inconquistáveis,
prosas várias, quase sempre inextinguíveis,
veias abrindo-se em paralelo às torrenciais chuvas de verão
( ora ausentes )
que nas montanhas altas formam vales,
vertentes, picos,
por onde escorrem livremente
as luzes das estrelas todas.
E quando estão as nuvens sobre os homens e abaixo a mim,
vejo-as como papel em branco
onde se traça inteira a representação do mundo,
escrita das luzes que ensombrecem todo o universo.
Que estranha liturgia essa
que é também o se oposto, sua negação, seu nulo!
Tudo o que for possível ter retido na memória
com suas configurações particulares de existir,
tudo o que, de possibilidade ou hipótese,
passar à experiência,
será a experiência de suas lembranças,
como se a vida fosse um simples construir
das memórias que um dia teremos.
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MELLO, Regina. Entre o Samba e o Tango. Organização: Regina Mello e Olga Valeska. Belo Horizonte, MG: Munap e Arquimedes, 2018. 160 p. 15 x 21 cm. Diagramação e arte final: Eugênio Daniel Venâncio. Fotos: Israrel Ferreira. Produção Museu Nacional de Poesia. ISBN 978-85-89667-57-9
Ex. bibl. Antonio Miranda, enviado por Regina Mello.
Passou ligeiramente pela porta,
não voltou nenhuma vez.
Sumiu dentro de uma massa de luz da tarde.
Agora, aqui, nas sombras de dentro da casa, é que as
coisas ficam claras para mim.
Também ouviu lá fora os cantos vários.
Diferente, sempre, entre si.
Estar dentro de casa, como um cão esparramada,
plantada com as plantas ao redor.
Quase fora do mundo, quase morta.
E lá fora à sombra e à
luz que se sucede,
anda ela, mesmo assim, em frente.
*
Paradoxos visuais. 1 — superfície em que o pé escorrega, vira e emerge
da profundidade do poço. 2 — mergulho visto por baixo quando e no
exato momento em que apenas a ponta do pé adentra a água, surpresa
congelamento. 3 — mergulho em superfície dura, metal ou metalizada
bloco em forma geométrica, arestas, cristais sem transparência. 4 —
superfície muito mole, imaculadamente branca, afloramento de dedos
infanto-juvenis, azul ou rosa. 5 — imersão em alta viscosidade, nau-
frágios, periscópio, negro brilhante titânico. 6 — afundamento náutico,
vertigem. 7 — flutuação na bruma, história verdadeira de uma exis-
tência fugaz. 8 — percalços preponderantes: vazamento em gotas,
receptáculos, drenos e infiltração inevitável . 9 — sinistro e eminente:
curto-circuito, lusco-fusco, pisca-pisca, eletricidade em fluxo contínuo.
10 — líquido derramado, pé emergente em superfície leitosa. 11 —
horizontalidade, superfície aquosa, coisas que boiam um pouco e afun-
dam um pouco, icebergs do cotidiano, inapropriação. 14 — piso mo-
lhado (variação de corte das bases para modificar os eixos do pé em
relação ao piso). 15 — pegadas em relevo. 16 — mergulho em super-
fície dura, alta compressão.
Como fazer fotocópias: planos de fundo, pagens, entor-
nos, a verdadeira matéria da vida, objeto de análise,
primeiro plano, obsessão pelo significado do mundo
admitido como real. Objetos criados e pré compreen-
didos, objetos corporificados, falos em superfícies re-
ceptivas. Vulvas.
movimentos por deslizamento, tração, inércia, precipitação, explosão.
sinestesia.
decomposição.
interlúdio (fimbria, orla, beira).
prospecção.
Memória.
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Página publicada em fevereiro de 2021 |